Entre os temas mais recorrentes da ficção científica, a percepção de múltiplas realidades já abriu margem para narrativas clássicas e questões tão profundas quanto um buraco negro. Afinal, o mundo que sempre percebemos a nossa volta realmente existe? Mas para além dos portais interdimensionais, o autor norte-americano Daniel Keyes manteve os pés no chão dentro do universo scifi e apresentou uma história que explora o conceito, ao mesmo tempo que impacta por sua delicadeza. Publicado originalmente em 1966, Flores para Algernon foi o grande expoente da carreira do escritor, ganhador do prêmio Nebula e inspiração para o filme Os Dois Mundos de Charly (1968) – que garantiu a Cliff Robertson o Oscar de Melhor Ator. E com mais de 5 milhões de exemplares vendidos e referência dentro das escolas dos Estados Unidos, a obra surgiu sobre as palavras de um homem de 32 anos e 68 de QI: Charlie Gordon.
Com excesso de erros no início do romance, os relatos de Charlie revelam sua condição limitada, consequência de uma grave deficiência intelectual, que ao menos o mantém protegido dentro de um “mundo” particular – indiferente às gozações dos colegas de trabalho e intocado por tragédias familiares. Porém, ao participar de uma cirurgia revolucionária que aumenta o seu QI, ele não apenas se torna mais inteligente que os próprios médicos que o operaram, como também vira testemunha de uma nova realidade: ácida, crua e problemática. Se o conhecimento é uma benção, Daniel Keyes constrói um personagem complexo e intrigante, que questiona essa sorte e reflete sobre suas relações sociais e a própria existência. E tudo isso ao lado de Algernon, seu rato de estimação e a primeira cobaia bem-sucedida no processo cirúrgico.
Originalmente um conto publicado em 1959 (ganhador do prêmio Hugo), Flores para Algernon explora a ficção científica através de suas operações pioneiras e superinteligência, mas que trata realidades simultâneas sem ao menos viajar para o espaço desconhecido. Em resumo, Daniel Keyes entra na mente humana e apresenta uma realidade que se torna paralela sob a perspectiva de um homem. Algo a se esperar de um autor que foi influenciado pelos roteiros de quadrinhos que escrevia para Stan Lee e inspirado por artigos acadêmicos e anotações de Aristóteles.
Perturbador e profundo, Flores para Algernon é tão contemporâneo quanto na época de sua primeira publicação, debatendo visões de mundo, relações interpessoais e, claro, a percepção sobre nós mesmos. Assim, se você está preparado para explorar as realidades de Charlie Gordon, também é a chance para perguntar: afinal, o mundo que sempre percebemos a nossa volta realmente existe?