Home / Blog / Exercícios para expandir a visão da mente

*Por Aline Valek

A habilidade de ver o futuro tem sido cada vez mais exigida. O mundo de hoje só quer saber do amanhã! Não me espantaria já aparecer como requisito em vagas de emprego: fluência em inglês, domínio do pacote Adobe, capacidade de prever o futuro. Uma feature essencial para qualquer habitante de tempos em crise: mais que uma vantagem competitiva, projetar o pensamento adiante e enxergar saídas ainda não visíveis no horizonte acaba sendo item básico de sobrevivência.

Criar cenários de futuro é uma prática muito mais corriqueira do que se pensa. Longe de ser exclusividade de gente esquisita que se propõe a escrever ficção científica (eu inclusa), isso acontece quando fazemos planos, estendemos a roupa no varal sabendo que não vai chover, ou antecipamos situações que ainda não aconteceram. Esse mecanismo também é muito familiar para pessoas ansiosas (eu inclusa de novo): somos mestres em rodar na cabeça futuros improváveis, completos em detalhes, embora geralmente sejamos tragadas por esses vislumbres dos piores cenários possíveis, onde tudo o que tinha para dar errado, adivinha só, dá errado de maneiras inimagináveis que chegam a desafiar as leis da Física.

Para além do beco sem saída da ansiedade, visualizar futuros próximos ou distantes é uma habilidade que pode ser treinada. Para entender como, fui buscar com grandes mestres da visão profética algumas lições para ajudar nessa jornada, e as encontrei nos livros Duna, de Frank Herbert, e no primeiro volume da trilogia Fundação, de Isaac Asimov.

Os visionários de que falo não são os autores, embora lá dos anos 50 e 60 tenham previsto diversas situações que hoje nos parecem próximas ou total realidade (alô crise climática e big data para manipular os rumos políticos de sociedades inteiras!); mas sim dos personagens que ambos criaram para conduzir suas histórias.

Paul Atreides, a.k.a. Muad’Dib, profeta e herói do planeta Arrakis, e Hari Seldon, psico-historiador do Império Galáctico, são figuras que jamais se esbarraram e que vêm de mundos completamente distintos (um é mais de místicas, o outro mais de exatas), mas que têm algo muito forte em comum: o poder de ver o futuro com nitidez a ponto de conseguir moldá-lo!

“Você não pode entrar de costas no futuro”.

— Paul Atreides

O que podemos aprender com eles sobre treinar o olhar da mente para enxergar mundos impossíveis e alcançar visões de futuro, ainda que cercados de crises por todos os lados? Qualquer um pode tentar da sua casa, e nem é preciso dominar cálculos complexos, ter uma mãe bruxona ou consumir drogas produzidas a partir de excrementos de filhotes de vermes gigantes. Basta alongar os músculos da imaginação e se jogar de mente aberta na prática dos exercícios a seguir.

      1. VISTA-SE COM ROUPAS QUE AINDA NÃO EXISTEM

Dress-code é fundamental quando estamos falando de visitar, ainda que com a mente, um futuro distante. O exercício mais básico consiste em concentrar sua mente na confecção de um objeto simples que pertença ao futuro — uma roupa, um acessório — e renderizar cada detalhe, que aspecto tem, sua textura ao vesti-la, ou mesmo se combina com a cor dos seus olhos.

Você pode começar, por exemplo, tentando mentalizar como seria um traje que suga seu suor, recicla todo o líquido expelido pelo seu corpo e o despeja em uma garrafinha da qual você vai beber. Será a última tendência em planetas sem água, dizem. Por isso é importante visualizar cada detalhe, preencher as lacunas e ir além da descrição deixada pelo autor ou das sugestões já feitas pelo cinema: de que material é feita uma roupa dessas? Como é seu caimento? Que gosto tem essa água? E o mais importante: tem bolsos?

      2. PULE NO LOMBO DE UM VERME GIGANTE EM MOVIMENTO

Além de provar seu valor entre os fremen, este exercício te habilita a prestar atenção ao futuro mais imediato, aquele que acontece na fração de segundos decisiva do salto. Saber a hora certa de dar o pulo é fundamental, em especial quando seu alvo é uma criatura com a extensão de TREZE baleias azuis enfileiradas, que se move em grande velocidade mergulhada sob a areia. Ir um segundo cedo ou tarde demais pode ser catastrófico!

Com esta prática, você treina sua capacidade de reduzir a marcha do tempo para enxergar com detalhes o momento certo de agir. Quando tiver o tempo em suas mãos, sinta sua textura, perceba como é maleável e pode ser esticado. Fazer o tempo correr em câmera lenta é o tipo de poder que apenas quem se habitua aos infinitos momentos de espera consegue desenvolver.

“Os fremen eram supremos naquela qualidade que os antigos denominavam spannungsbogen, que é a autoimposição de um adiamento entre o desejar uma coisa e o estender a mão para apanhá-la”.

— trecho de Duna

      3. DÊ UM ALÔ PARA QUEM VIVE 300 ANOS NO FUTURO… OU MAIS

Imagine que doideira seria você aparecer de surpresa como holograma numa reunião daqui uns 50 anos para falar com pessoas tentando resolver pepinos que nem existem ainda. Hari Seldon não apenas fez isso como ainda conseguiu surpreender esse pessoal do futuro com informações novas! Quem disse que quem está à nossa frente no tempo necessariamente vai saber de tudo?

Este exercício exige um salto imaginativo maior do que a prática anterior: como viverão as pessoas muito tempo depois que eu e você já não existirmos? Que tipo de problema estarão resolvendo? O pessoal do futuro geralmente adora consultar a sabedoria dos antigos. Sabendo disso, qual mensagem você deixaria para eles?

“Mas seja qual for o curso tortuoso que sua história futura possa vir a tomar, sempre avisem seus descendentes que o caminho já foi traçado e que, ao final, surgirá um império novo e maior!”

— Hari Seldon


      4. IMAGINE QUE ATÉ NO DESERTO PODE NASCER FLOR

Ter consciência dos movimentos do tempo nos levam à compreensão de que os cenários de crise, por mais desesperadores que sejam, pertencem ao campo do impermanente, ao invés de serem fixos e imutáveis. O que hoje parece um deserto hostil, pode um dia vir a ser um campo florido onde a água flui em abundância. Projete sua mente para este lugar hipotético pós-fundo do poço. O que você vê lá? Como alcançá-lo?

Busque visualizar os caminhos para reverter ou suavizar determinado momento de crise. Inclua no cálculo as possibilidades de algo dar certo! Às vezes reduzir trinta mil anos de balbúrdia no universo para trezentos anos de caos galáctico é o melhor que podemos fazer. Como Hari Seldon nos mostra, evitar o sofrimento pode ser impossível, mas observando as possibilidades com atenção é possível encontrar meios de reduzir os danos.

“A função mais elevada da ecologia é a compreensão das consequências.”

— trecho de Duna

      5. FALE SOBRE O FUTURO COMO UM PROFETA QUE SABE ALTERÁ-LO

Paul Atreides e Hari Seldon já sabiam: o futuro é uma árvore cheia de ramos que podem conduzir a lugares muito distintos. Mesmo gestos imperceptíveis como o ato de imaginar ou falar sobre o que ainda não existe pode conduzir você em direção a uma dessas ramificações, impactando o futuro que se estende à sua frente.

Com a prática constante de pensar no futuro e enxergar os caminhos que fazemos entre esses ramos de possibilidades em constante movimento, o futuro começará a fazer parte do seu vocabulário, das suas conversas. Não tema compartilhar suas visões e planos de futuro com seus amigos. A melhor pessoa para ter por perto em tempos de incerteza é alguém que consegue visualizar dois passos adiante. Ah, ter um ou outro provérbio das Bene Gesserit na manga também pode te ajudar a soar como uma pessoa que sabe das coisas.

“Qualquer estrada, se seguida exatamente até seu fim, leva exatamente a lugar nenhum. Escale a montanha só um pouquinho, para verificar se é mesmo uma montanha. Do topo, não se vê a montanha.”

— trecho de Duna


MAIS EXERCÍCIOS PARA A MENTE VISIONÁRIA

/>    Quer mais motivos para ler Duna? Este vídeo com uma animação lindíssima (em inglês) faz uma boa ambientação, apresentando os principais pontos da história, como a ecologia, vocabulário e que tipo de classes de super humanos você encontrará no livro.

/>    Quer entender a fundo o universo de Duna? A Natália Kreuser explica em vídeo e no DunaCast você encontra um podcast inteirinho dedicado a destrinchar cada parte da obra de Frank Herbert.

/>     Neste outro vídeo (em inglês), uma excelente análise sobre a série de livros Fundação, sobre a construção de histórias baseadas em aspectos sociológicos, e como Asimov é melhor nisso do que narrando cenas de sexo.

/>      Tem interesse em assistir a série Foundation, baseada na trilogia Fundação? Este artigo na Superinteressante dá um bom panorama do que se trata a história original e o que esperar da adaptação audiovisual produzida pela Apple TV+.

/>    Duna, Fundação e Profecias: este vídeo contém Ora Thiago servindo intertextualidade e bom humor para falar sobre predestinação e as formas que a ficção encontra de abordar o futuro. Prevejo que você vai gostar.


POR FIM  

Ler Duna e Fundação no atual momento trágico que vivemos, em que a expressão fim do mundo tem estado mais em alta do que a cotação do dólar, foi para mim uma experiência tanto filosófica quanto poética.

Poder pegar distância de 2021 e especular possibilidades de existência para daqui a doze ou vinte mil anos acaba sendo um exercício de perspectiva, de se colocar, mesmo que por um instante, fora dessa realidade louca em que vivemos — porque nossa imaginação não tem limites para criar realidades mais loucas ainda.

O futuro é sempre uma obra de ficção. Podemos pensar nele com a mesma liberdade criativa de quem escreve ficção científica, sem a necessidade de elaborar previsões que se concretizem. E é na literatura que sempre podemos colocar em prática o exercício da imaginação e deixar que ela nos conduza mesmo pelos mais improváveis caminhos. O importante não é acertar o destino, mas sermos capazes de fazer a viagem.

Isso e beber bastante água. Enquanto ainda não precisamos beber nosso suor reciclado. Sério, aproveita.


*Aline Valek conta histórias no podcast Bobagens Imperdíveis e em livros, entre eles os romances As águas-vivas não sabem de si e Cidades afundam em dias normais. Também compartilha suas visões na newsletter Uma Palavra.

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